quinta-feira, janeiro 07, 2010

Natal em Família:

Este post conta uma história. É bastante longo, mas vale a pena ser lido na íntegra pois esclarece algumas posições que uma família adota quando se defronta com algo "diferente". É um espelho de uma conversa através de e-mails que aconteceu perto de um Natal. [nomes e sobrenomes foram trocados para proteger a identidade dos mais caretas]




E-mail enviado em 27 de Novembro de 2003


Queridos sobrinhos


O natal, dia 24 será aqui em casa e estão todos convidados, é claro!!
Gostaria de saber o e-mail da Letícia para poder avisá-la.
Peço também a confirmação da presença para poder me organizar.

Beijos


Tia Elena




Resposta ao E-mail. Enviada em 28 de Novembro de 2003

Gostaria de saber se o Diogo pode ir.

Guilherme



E-mail de resposta. Enviado em 01 de Dezembro de 2003



Gui, Querido.

Olá, tudo bem?
E aí, já montou seu apartamento? Ficou legal? 
Respondendo a sua pergunta:
Eu pensei bem, e acho que não seria uma boa idéia você trazer o Diogo no Natal.
Temos sempre que lembrar que o Natal é uma comemoração religiosa e que a Vovó Irene dá muita importância para estas situações. Sua avó tem 80 anos, não está muito bem de saúde, anda nervosa pois sua pressão já chegou a 20. Acho que temos o dever de respeitá-la e poupá-la de qualquer aborrecimento.
Ela jamais iria entender tal situação, assim como não entende qualquer coisa que aconteça de diferente com algum dos netos. E como diz aquele anúncio da tv (do liquidificador): "Ela é velha mas não é burra nem surda".
Eu, de minha parte, não tenho nada com sua vida particular. Acho que cada um tem o direito de escolher o que for melhor para si. Porém não gostaria de ter nenhum tipo de constrangimento na noite de Natal aqui em casa. 
Peço que você pense bem nisto. Acho que a Vovó não merece se aborrecer justamente por um neto tão querido. Nós todos te queremos muito bem, você será  sempre meu afilhado querido, e quero que saiba que eu torço para que você seja sempre muito feliz!!!

Um beijo grande,


Madrinha




Resposta à resposta. Enviada em 02 de Dezembro de 2003


Oi Madrinha!


Então! Montei o apê. Ainda faltam alguns detalhezinhos, mas já está a minha cara. Vou organizar algum "evento" para convidar a família (que quiser) pra conhecê-lo.
Comigo está tudo ótimo! Não poderia estar melhor em todos os sentidos: Pessoal, profissional, social, financeiramente... Então... sobre o Natal:
Sei que para a maioria das pessoas o Natal tem uma conotação religiosa e respeito isso. Pra mim é o tempo que as pessoas lembram de mostrar seu amor pelas outras. E, infelizmente, muita gente só faz isso no Natal. Eu procuro fazer o ano todo.
Não entenda essa minha atitude como algum tipo de "represália", mas preciso dizer que não vou poder ir ao Natal sem o DiogoDesde que a gente começou a namorar a família dele simplesmente "esqueceu" que ele existe. Aos poucos estamos tentando contornar a situação para que eles aceitem os fatos como eles são, sem sentirem-se pressionados ou algo assim.
Ano passado, por causa dessa atitude da família do Diogo, passamos o Natal separados e não foi muito legal. Decidimos, então, que neste ano, passaríamos juntos. Houvesse o que houvesse.
No decorrer do ano, os pais de alguns amigos nossos (cientes do ocorrido no Natal passado) convidaram-nos para passar o Natal com eles e, muito provavelmente, é o que faremos. Tivemos convites de três famílias diferentes e vamos escolher (na verdade já escolhemos) uma delas. 
Eu sei que a vovó está com 80 anos. Acho exagero da família este excesso de zelo (afinal não acredito que ela seja tão frágil assim) mas... cada um é cada um. Amo muito a vovó.. você, o padrinho, meu pai, todos os Moraes (primos e tios) e nossos agregados, mas já há algum tempo meu conceito de Natal mudou. Assim como meu conceito de família.
Não entenda isso, por favor, como "mal-agradecimento" mas acredito que o Natal a gente deva passar com aqueles que amamos e com quem nos preocupamos durante o ano todo. Infelizmente não sinto esse "AMOR" ou essa "PREOCUPAÇÃO" por parte da minha família durante o ano. (e MUITO MENOS pela parte da família da minha mãe... - meio que pra dar uns créditos para os Moraes).
Desde o episódio com o Renato (primo do Fernando) em Dezembro de 2002*, tomei algumas decisões (ao meu ver bastante coerentes) no que diz respeito ao meu relacionamento com a família.

*(nesta data, o Renato - que é primo de um primo - encontrou Guilherme em uma boate, dando-lhe um soco que arrancara seu dente incisivo. Grande parte da família sabia que Renato, havia muito tempo,  nutria sentimentos destrutivos em relação a Guilherme, porém nenhum membro disse uma palavra a respeito. Até o fatídico acontecimento) [nota do Espetáculo - isso não faz parte do e-mail]

Obrigadão pelo seu apoio ao meu relacionamento e às minhas escolhas pessoais. Sempre achei que poderia contar com você, mesmo... e agora sei disso. Garanto a você, mesmo assim, que não haveria constrangimento algum na noite de Natal pois além de todos os primos e tios já conhecerem o Diogo, apesar de sermos "GAYS" sabemos nos portar e respeitar aos outros. Fomos bem educados pelas nossas famílias no quesito "VALORES E PRINCÍPIOS SOCIAIS".

Agradeço o convite, mas com o maior respeito sou obrigado a decliná-lo. Pelas razões expostas acima. E somente por estas razões.


Um grande beijão!

Guilherme (o melhor afilhado do mundo) :D


Interferência (benéfica) na comunicação entre a madrinha e o afilhado: Uma prima querida envia um e-mail para Guilherme (que havia extendido suas respostas para todos os destinatários do primeiro e-mail enviado pela madrinha. Isto é, todos seus primos e irmãos):


Oi Gui!

Legal receber notícias suas e saber que você está bem, feliz… enfim, realizando seus sonhos. Mesmo que tenha sido indiretamente e por causa de um assunto tão “desagradável” – não sei bem se essa é a palavra correta, mas acho que você entende o que quero “dizer”.
Desde que recebi seu e-mail perguntando se o Diogo poderia ir ao Natal, tenho pensado sobre o assunto e se eu não deveria manifestar minha opinião. É até engracado dizer que o conteúdo do seu e-mail não me surpreendeu nem um pouco e que, mesmo antes de abri-lo, já sabia o que iria ler.
Eu suspeitava que o Diogo enfrenta a maior barra e imagino como deve estar sendo difícil pra ele esse momento. E, querendo ou não, datas como essa sempre acabam mexendo com a gente. Acho ANIMAL a sua atidude de permanecer ao lado dele! Estou muito orgulhosa de você e sinto que você amadureceu muito no que diz respeito a relacionamentos.
Estou completamente de acordo que a família excede no zelo pela vovó e que ela nao é tão frágil assim. Acredito que na verdade eles querem SE proteger. Você poderia ir ao Natal com o Diogo sem dizer uma palavra. Se o problema fosse poupar a vovó da verdade, poderia ser dito, caso ela perguntasse, que você perguntou se poderia levar um amigo que não tem família ao Natal . Não sou a favor de mentiras, mas…
De qualquer forma, a vovó manteria sua discrição de sempre e não faria perguntas para as quais ela não quer uma resposta.
Eu gostaria mto de saber quando a família irá perceber que a vovó nao é burra e muito menos cega. Ela tem lá seus 80 anos, mas mesmo assim soube aceitar (na época em que morei com ela) que eu, finais de semana, na casa do meu namorado dormia [...] Acredito que a vovó não entenda muito bem as minhas escolhas e sei que ela ficou um pouco “escandalizada” no começo. Talvez eu não seja a neta dos seus sonhos. Mas eu sei que ela me ama muito e que, mesmo não estando muito de acordo com as 
minhas decisões, ela escolheu ficar ao meu lado e me aceitar assim como eu sou.
E acredito que no seu caso ela faria o mesmo. Na minha opinião a família comete um erro. E penso muito, no momento, se eu não deveria também endereçar as linhas acima aos Moraes e seus agregados. Acredito que o que deixa a vovó realmente feliz é ter todos nós, sem exceção, ao seu lado. Por que ela 
sempre faz questao de rezar no Natal por aqueles que nao estão presentes?
Quanto ao "AMOR e PREOCUPAÇÃO por parte da família": eu também faco parte da família. Carrego o sobrenome Moraes e agradeço por isso pois, por esse motivo posso encher minha boca de orgulho e dizer que tenho primos maravilhosos como você.
Não generalize Gui. Os Moraes também tem coracao (risos). Na verdade eles são as vítimas. E nós? Nós somos privilegidos por termos quebrado as correntes que ainda os impedem de serem livres e até mesmo felizes.


Te amo muito!


Muitos beijos aos dois,


Marina






Resposta final enviada em 10 de Dezembro:



Querido Gui,

Gostei muito da sua resposta, achei você muito seguro, coerente e sincero. Concordo com tudo que você disse e gostaria de em qualquer oportunidade, conversar sobre este assunto pessoalmente. Talvez você possa me fazer entender um monte de coisa que uma balzaquiana como eu não consegue atingir!
Só ficarei triste por você não estar conosco no dia de Natal. Sentirei a sua falta. Lembre-se sempre que eu também te amo muito!!


Beijos

Madrinha





Se você teve paciência para chegar até aqui, espero que este post faça por você o que essa troca de e-mails fez para o Guilherme. Hoje ele não está mais com o Diogo. Eles ficaram juntos por 4 anos. E têm uma história de coragem juntos. Coragem de ser quem são. Diogo está em paz com sua família (até onde as palavras PAZ e FAMÍLIA conseguem conviver) e Guilherme tem uma tranquilidade surpreendente.

Nenhum comentário: